#55

tão ridiculamente sozinha.
já não sei se fui eu que escavei o buraco sozinha, se tive ajuda ou se o escavaram - bem fundo, profundo - por mim. de fora, só se vêem os meus olhinhos, que não param, que continuam a observar, enquanto outras pernas correm lá fora. dentro do buraco estou só eu. já chamei, pedi ajuda, tentei saltar fora, umas vezes com energia e vontade, outras tantas só porque sim, mas sem resultados. já são dias, meses, de habituação, espera-se que o corpo se torne dormente, a cabeça também, espera-se que passe, que não faça mais mossa. mas quando tudo já passou - shhhh, já passou, digo eu para eu mesma, enquanto virtualmente passo a mão pelo meu cabelo - chega a vergonha, essa desavergonhada, e traz mais daquilo que nunca se foi embora. antes me fizesse saltar deste buraco, de uma vez por todas. quanto mais esperneio, mais os meus pés escavam fundo, destroem as paredes e transformam o buraco num palacete para burros - e o burro sou eu - que não consegue somar dois mais dois, bê à bá, e sair daqui.
podia ser tão fácil, se parasse de acariciar a minha própria cabeça como se de um bebé fragil e coitado me tratasse, como se fosse tudo culpa do mundo e nada minha.
shhhh--

#54

tenho de ficar sempre por baixo.
não.
figurativamente.
tenho de ser inferior, mais fraca, render-me à outra parte, tentar agradar, andar atrás. por favor não entres nesse jogo de elogios, em que eu me recuso a participar e acabo por ganhar. não implores, não peças demasiadas vezes e, definitivamente, não andes atrás de mim. eu gosto mesmo é de andar atrás, ser miserável, alimentar-me da minha própria misericórdia e recusá-la perante outros. parece que o meu corpo não aceita ser aceite, é fisiológico - e é de sempre.

#53

vem cá relembrar-me que sou trinca-espinhas. vem cá fazer deste blogue um sítio piroso outra vez, vem fazer-me chegar às duas da manhã sem pensar em desistir. vem cá.
um corpo precisa de corpo, eu não preciso de nada. duas cabeças a pensar são melhor do que uma só, a minha supera isso. mas tem dias, tem semanas, tem destas buscas que parecem infinitas, destes dias que parecem sem remédio, destes problemas que parecem não ter solução, destes fados que parecem mesmo existir. por muito que corras, por muito que te agarres ao que tens, às almas que foste arrecadando, aos prémios de consolação que coleccionaste e exibes por cima da lareira.
vem cá negar isso tudo e fazer-me sentir. por favor.

#52

hoje, que estou feita num caco, sabes o que é que eu mais queria? que me ligasses, que viesses aqui e me desses o mesmo abraço que me deste, uns dias antes de ires embora para sempre, uns dias antes de deixares de ser meu pai.

era só isso.

#51

acordar, tomar banho e siga para a biblioteca. bolas, as papas de aveia hoje ficaram mesmo cremosas -  e ainda me sobrou iogurte de pêra! mas que bem. ah, o café está demasiado quente, já são 11 da manhã, se calhar mudo-me da cama para a secretária e deixo-me ficar por casa.
almoço: junto aqui um tofu com ervilhas, talvez até pasta de caril e gengibre. ok, o tofu não presta e ficou intragável, acho que tâmaras e manteiga de amendoim por agora servem. dizem que nos devemos mimar ao fim-de-semana, que se lixe o almoço, passo logo para a sobremesa.
75 euros pela bicicleta? não interessa, é azul e eu preciso mesmo dela. 4 da tarde é demasiado tarde, encontramo-nos antes as 2, espero que não se importe. sim sim, está ótima, velha, eu sei, mas anda e é isso que é preciso.
pensando melhor, se calhar é demasiado velha, se calhar foi demasiado cara, se calhar não a posso devolver. boa, não vale a pena pensar mais nisso, vamos ao centro comer um gelado. sábados foram feitos para segundas sobremesas. nutella? sim. chocolate? sim. sim sim, ponha também bolachas, isto hoje não está fácil. mas já chega, já fui chorar para um provador enquanto fingia que experimentava um vestido, já me massacrei demasiado, acho que preciso de ir para casa dormir.
4 da tarde. o quê, 65 euros por essa bicicleta tão gira? já tenho uma, mas não tem problema, atravesso a cidade pela segunda. ok, anda, trava e está bem para a minha altura. compro. sigo o meu caminho. o assento magoa-me e a bicicleta está torta, pois ora bem, parece-me que uma terceira já seria demasiado - mesmo para mim. nada a fazer. vamos para casa estudar, que a vida não é só isto.
precisas de uma bicicleta? vendo uma por 65, é azul e velha ótima. 55? não. 60 e ficamos com o assunto arrumado. são 8 da noite, saio de casa pela milésima vez, ora bolas esqueci-me das chaves do cadeado, é desta que saio, oh não esqueci-me das luvas, o que vale é que é só um lance de escadas, vamos embora. 8 e meia à porta do museu, negócio fechado.
quero ir para casa. quero falar com a minha mãe, agradecer à minha irmã e fechar-me no quarto. tenho mil textos para ler e mais uns quantos para fazer, mas hoje não foi o dia. hoje foi não. do princípio ao fim.

e tenho vergonha disso.

#50

conforma-te.
com mais nada, mas com isto. com essa parte de ti, que nunca será, que nem sequer é tua, que não é de ninguém. existe na tua cabeça, está lá todos os dias, não vai deixar de estar - convence-te disso, começa a ser ridículo continuares a acreditar que isto vai mudar.

não vai.
nem sequer merece textos bonitos. a resignação é tão feia.

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