Construí-te. Peça a peça, tu suplicavas-me que eu te refizesse, com esses olhos que outrora me faziam derreter, perder a cabeça, até me pôr a teus pés. No entanto, agora olho para ti e pareces-me uma mera construção, velha e insensível, nada de especial. Perdeste a tua unicidade. Essa terrível ambição, essa cegueira, esse teu amor pelo inalcançável mostrou-te que afinal tu não eras dono do mundo, fez-te perceber que é preciso muito mais do que “querer”, desfez-te. Agora o que te resta são essas mãos, secas, rugosas, que se estendem para mim e me pedem ajuda. Tens a certeza de que é isso que queres? Da última vez, quem pediu ajuda fui eu e tu não te mostraste acessível. Enfureceste-me. Roguei contra ti todas as pragas que conhecia, escrevi-te os meus piores textos, dediquei-te os meus piores pesadelos. Pelos vistos, alguém ouviu as minhas preces e agora estás tu de joelhos, à minha frente.
Esses joelhos, nus e feridos, arrastando-te pelo chão, dão-me sinais da tua fraqueza. É a minha vez de me aproveitar de ti, de pegar no que ainda resta e desfazê-lo em mil pedaços, é a minha vingança. Mas o meu coração não é de pedra e eu vejo nos teus olhos, mentirosos e hipócritas, que precisas de mim – queres a tua vida de volta e ela está nas minhas mãos. Falo contigo e pergunto-te como chegaste a este estado, tu respondes-me apenas com essa lágrima suja que cai pela tua cara. Nem chego a ouvir a tua voz, não te pergunto mais nada, não quero chegar à conclusão que já nem a voz te resta.
A decisão é minha. Posso deixar-te aí sozinho, no meio da rua, descalço e com uma moeda no bolso para um maço de cigarros, esquecer o assunto e considerar esta a minha pequena vingança. Ou então, posso dar-te mais uma moeda para a cerveja dessa noite e continuar o meu caminho. É este o meu limite e eu, por ti, já não consigo pisar o risco.